"Pertencimento: foi assim que aprendi o que é escola de samba"
Nasci em 27 de fevereiro de 1981, apesar de ter minha estreia prevista para março. Como eu poderia permanecer quieta com o carnaval chegando?! Na saída da maternidade, ir para casa não foi uma opção. O Império da Tijuca desfilaria em dois dias e havia muito trabalho a ser feito. Minha mãe me amamentou, desde os primeiros dias, envolta nas fantasias que bordava. E não é para me gabar, não, mas naquele ano minha escola subiu, enaltecendo os indígenas brasileiros!
A verdade é que essa história começa muito antes de mim… Meus avós, tios, primos e amigos já tinham escrito quarenta anos dela. Para quem, como eu, vive uma escola de samba como extensão da casa e da família, histórias de muito sacrifício pessoal e financeiro são muito comuns. Cresci ouvindo relatos sobre o barracão, animada de saber que, em tal ano, os carros viriam iluminados (coisa chique na época). Soube dos vazamentos e das telhas quebradas em alguma estrutura da escola e estranhei o tanto de mobilização que tudo aquilo requeria. Fiquei assustada ao ver os debates calorosos de compositores que nunca, nunca mesmo, admitiam que seu samba não era o melhor. Fiquei preocupada com os gastos não previstos, justificados com um “depois a gente acerta”, porque a escola não tinha como pagar naquele momento e não podia desfilar sem tal coisa. Olhei, admirada, para minha família ensaiando para ocupar seus postos na comissão de frente, carros, alas, bateria… e brincava com a minha irmã de desfilar empurrando a escada pela sala como se fosse um carro alegórico, acenando para a Sapucaí imaginária até que a minha vez chegasse na vida real.
O primeiro chamado
Meu grande momento chegou em 1993! Meu padrinho e meu tio eram compositores da escola e agora eu poderia engordar a torcida, carregando bandeiras e bolas, cantando bem alto como havia aprendido nos almoços de família. Tudo foi muito marcante… antes mesmo de chegar na quadra! É que o Império da Tijuca ensaiava na quadra da Estácio, bem atrás da Vila Mimosa, famoso puteiro carioca. Lembro-me de estranhar as mulheres de calcinha na rua que sorriam para mim, mas eu estava eufórica demais para elaborar qualquer coisa.
Aquele foi o primeiro de muitos ensaios, mas havia uma espécie de regra familiar (que eu nunca entendi) segundo a qual não se desfila antes dos 14. Só pude efetivamente realizar o desejo de estar na Sapucaí em 1995. O samba era do meu padrinho e a família desfilou inteira. Foi um caos! Tinha gente arrumando cabelo de um lado, ajustando fantasia de outro, e meu pai, no meio da confusão, brigando por conta do horário. Certo estava ele… Chegamos tarde à concentração e corremos feito loucos pelos alambrados, pedindo que os seguranças nos deixassem passar. Naquele ano descobri que havia sido enganada a minha vida inteira. Todo mundo dizia o quanto era cansativo o desfile, mas, quando eu ainda estava me acostumando, puf!, já estava na Apoteose. E, não que eu goste de me gabar, mas o Império subiu!
Eu quis mais! E, ano após ano, fui ocupando os lugares na minha escola que já haviam sido de tantas pessoas queridas e agora eram só meus. Quem pensa que isso tem qualquer coisa de glamour está redondamente enganado. Minha mãe era do departamento feminino, e eu ajudava a tirar as toalhas das mesas enquanto esperava meu pai, que estava arrumando o quarto da bateria (que, para ele, estava sempre bagunçado).
O Império da Tijuca ia desfilar no Grupo Especial e, como geralmente acontece com escolas nessa situação, muita gente bacana do carnaval agora estava na minha escola! Lembro-me muito pouco desse desfile: eu estava com um chapéu enorme, que tinha problemas sérios de acabamento, e ficava com um ferro machucando minha cabeça. Pelo visto, meu chapéu não foi o único problema: caímos.
Foi o meu primeiro baque. Na preparação para o Carnaval de 1997, o presidente saiu, deixando a escola sem rumo e sem dinheiro. Durante muito tempo (que eu não sei quanto foi, mas me pareceu muito), uma névoa de tristeza rondava o barracão; o povo bacana sumiu e quem permaneceu trocava olhares de desesperança. Depois da tempestade, vem a bonança e, como o carnaval tem seus próprios meios de resistir, eis que uns cinco ou seis doidos decidiram montar uma junta governativa que garantisse que a escola desfilaria. Foi uma corrida maluca para catar materiais e fazer ligações que pediam que os apaixonados voltassem em nome da escola, a despeito de qualquer desafeto. Vi olhos marejados e ouvi vozes embargadas de homens durões que afirmavam, categoricamente, que iriam — mas só naquele ano, porque era necessário. Cada um fez o melhor que pôde, e assim seguimos! As bossas da bateria foram montadas na área de serviço da minha mãe, que pedia aos diretores para não amassar a máquina de lavar nem quebrar o basculante. O enredo era “A coroa do perdão na terra de Oyo”, escolhido em função de exigir menos dinheiro para ser executado, mas que acabou simbolizando muito mais. Como Oxalá, banhado depois dos sete anos de prisão, o Império da Tijuca foi para sua festa! Com o sol já alto, senti o que é pertencimento e entendi, pela primeira vez, o que era de verdade uma escola de samba. A bossa da máquina de lavar se mistura com a da avenida cada vez que insiste em voltar, como se o ouvido estivesse ali de novo.
Nos anos seguintes, tudo mudou de lugar: barracão, quadra — e eu mesma! Passei a desfilar como passista e contava os dias para as férias escolares, quando eu podia ir para o barracão sem o inconveniente das aulas. Eram dias de colar fantasias, carregar panelas e testar carros que estalavam e balançavam. Dias de ver brigas por conta de sujeira, à traição! Foi, para mim, o período dos shows e das viagens que, apesar de cansativos, geravam risadas e conversas sem fim. Era com os amigos do Império da Tijuca que eu falava das minhas primeiras paixonites e dos problemas muito sérios da adolescência. E os desfiles! Teve desfile de perna enfaixada embaixo da bota de salto enorme, desfile de braço ralado pelo carro na saída do barracão; teve até desfile que quase não teve porque o biquíni era pequeno! Eu fui muito feliz — e sabia.
Já no ano 2000, um senhorzinho daqueles apaixonados pela escola chamou o presidente e decretou: “Ela vem para a frente da bateria.” E eu fui. Não havia toda a pompa que as rainhas têm hoje, mas, para mim, isso significava muito mais tempo com a escola. Meu pai dizia que, se eu quisesse estar na frente da bateria, precisava merecer, e me colocava para rosquear as varetas dos instrumentos. Eu estava radiante e desfilei por nós duas, já que minha mãe, que estava sempre comigo, tinha acabado de fazer uma cirurgia para tratar o câncer de mama e não pôde desfilar. E essa não foi a única vez que desfilei por nós duas… No meu último desfile, eu estava grávida e exibi minha barriguinha.
Foi um ano terrível para a escola, com severas crises financeiras que acabaram por deixar os nervos à flor da pele. No desfile, havia alas que não receberam suas fantasias, comissão de frente saindo no tapa e todo tipo de dificuldade que uma concentração pode ter. Assim que entramos no Setor 1, desabou uma chuva torrencial, e o que não estava bom ficou ainda pior. A escola ficou em frangalhos, e eu me lembro da tinta preta das penas da minha fantasia escorrendo. A pista estava cheia de poças e eu usava um sapato enorme, mas nada me impediu de sambar pela última vez na frente da bateria — que, sem ninguém saber, sempre será minha.
O resultado não podia ser diferente: caímos. Isso desencadeou uma série de conflitos e acusações que afetaram diretamente a minha família. Foi demais para mim — e eu dei adeus.
Assistia aos desfiles chorando, escondidinha, procurando por rostos conhecidos que me fizessem crer que tudo seguia bem. E seguiu muito bem por muito tempo! O sempre meu Império da Tijuca fez desfiles incríveis e prosperou por muitos dos vinte anos em que estive longe. Até que a roda da vida girou e, em 2024, quem acusou foi acusado e o que um dia brilhava apagou. Eu estava voltando a me envolver com o carnaval, mas não com a minha escola. Para mim, era como se o tempo tivesse amarrado as pontas de uma fita, colocando-me de volta ao ponto onde eu havia parado.
Em 2025, voltei! Não para fazer o carnaval, mas cheia de ideias e disposição para fazer da história dessa escola a sua força motriz! Fui para o primeiro desfile na Intendente Magalhães de cabeça erguida e de braços dados com o meu filho mais novo. Foi ele quem apontou a minha direção: “Aqui não é o nosso lugar, mãe; a gente precisa fazer o Império subir.”
E, entre projetos, patrocínios, leis e acervos — com uma ou outra direção —, eu sigo. Sigo pela minha história, pela história da minha família e de tantas outras que viveram o Império da Tijuca como um lugar de todos nós. E sigo pelo legado que um dia pode ser do meu filho. Porque, apesar do apelido de Imperinho, o Império que se herda aqui — o Império da Tijuca — é gigante.