Por Fred Soares (@fredaosoares), em 26-07-2025
Na noite de 26 de julho de 2025, o Salgueiro resolveu fazer uma coisa tipicamente brasileira: ignorou o manual.
Em vez de luto, festa.
Em vez de silêncio respeitoso, samba alto.
Em vez de lamentar a morte de Rosa Magalhães, um ano depois da sua partida, decidiu celebrá-la com uma festa na sua quadra de ensaios, na Tijuca. E, como tudo que envolve escola de samba, celebrará do jeito mais disrruptivo possível: com surdo, tamborim e emoção no volume máximo.
Rosa virou enredo. E não foi qualquer enredo. O Salgueiro, onde ela trabalhou por dois carnavais como carnavalesca principal sem levantar troféu, resolveu colocá-la no altar. Não no da escola. Mas no do samba.
O sambista que aprendeu a admirar Rosa a saudou no dia dadespedida
Rosa sempre foi exceção.
Ela entrou no barracão como quem entra na casa de alguém importante: tirando os sapatos, pisando com cuidado e pedindo licença. Professora daquelas que podiam estar dando aula sobre História da Arte, escolheu aprender com ritmistas, compositores, ferreiros, aderecistas, baianas e afins. Entrou pra ser aluna. E nunca mais saiu. Rendeu-se à arte feita pelo povo e para o povo.
Lembro da primeira vez que a vi.
Era 1995. Eu tinha sido levado por Wagner Tavares, presidente da Imperatriz. Rosa falava manso, mas com ideias mais barulhentas que qualquer bateria. Disse uma frase que nunca mais esqueci:
“O povo sabe fazer carnaval sozinho. Eu sou só coadjuvante.”
Nesse dia, entendi que ela não era só carnavalesca. Era sambista disfarçada de intelectual.
Mais tarde, o compositor André Diniz contou uma história ainda melhor. Ganhou o concurso de samba da Vila em 2013, com um samba que começava com “O galo cantou”. Rosa, carnavalesca da escola, chamou ele de canto:
— “Você me arrumou um problema com esse samba.”
— “Quer que eu mude?”
— “Claro que não. Quem tem que mudar sou eu. Isso aqui é escola de SAMBA. Quem manda é o samba.”
Nesse momento, se Rosa tivesse batido na mesa e dito “fecha a conta”, teria saído aplaudida.
Era boa malandra! Aprendeu com os bambas. Como disse, era professora que virou aprendiz. Foi com a cartilha do sambista debaixo do braço, que teve de se virar pra conseguir o material necessário pra fazer o carnaval campeão do Império Serrano de 1982. Até volta ela teve de aplicar no dono da loja de aviamentos. Tudo em nome da arte!
A Rosa sambista: vestida de baiana, curtiu o seu único carnaval à frente da Estação Primeira de Mangueira, em 2014
Por isso o Salgueiro acertou tanto. Mesmo sem títulos na casa, entendeu que Rosa foi muito maior que qualquer vitória. Ela não deixou só desfiles. Deixou discípulos. Estilo. Jeito de ver o mundo entre um corte de espuma e uma pluma adornada
Só lamento uma coisa: prometi a ela, numa live durante a pandemia, que levaria uma cachaça no barracão. Pra gente brindar, jogar conversa fora. Não deu tempo. Mas hoje, vou. Chapéu na cabeça, garrafinha no bolso. Um gole pra mim, outro pra ela.
Porque Rosa, a gente não homenageia com água.
A gente bebe por ela, samba por ela, e agradece baixinho (ou aos berros) por ter passado por aqui.
E que desfile bonito ela deixou.
Meu último encontro com a Professora: na Câmara Municipal, em 2023
PS - A live que eu cito na crônica foi veiculada no canal de Youtube da Rádio Arquibancada (o vídeo está logo abaixo). E participei ao lado dos colegas Anderson Baltar e Chico Frota, além do carnavalesco Jorge Silveira, que agora tem a incumbência de saudá-la no palco onde ela tanto brilhou. Ah, a história que falo da maladragem dela nos tempos de Império Serrano também está lá.