Leandro Vieira, a vanguarda das artes brasileiras na luta contra a intolerância

Por Fred Soares (@fredaosoares)

Assisti à excelente entrevista concedida pelo carnavalesco Leandro Vieira ao canal de Youtube da Estação Primeira de Mangueira (você pode ver também no player ao fim do texto). Serviu para confirmar uma tese que tenho sobre esse artista, fomentada a cada vez que o ouço, pessoalmente ou não: esse jovem rapaz é o maior intelectual brasileiro da atualidade. E que bom! Está a serviço do samba e do carnaval carioca.

Por óbvio, grande parte da conversa teve como tema o Jesus da Mangueira e o seu olhar particular — e artístico — sobre a maior figura da história da humanidade, o momento mais aguardado do próximo desfile. E algo ficou bem evidente para mim: o discurso disseminado por muitos de que a proposta é desrespeitosa à figura do Cristo cai por terra ao se ouvir três minutos do ponto de vista do carnavalesco.

Ora, ao longo dos séculos, o oficialismo religioso impôs às sociedades a leitura de que Jesus de Nazaré foi um ser divino que se fez homem para fazer chegar aos corações a solidariedade, o perdão, o amor ao próximo e a resistência à opressão. Pois o que não é o enredo de Leandro Vieira senão a reprodução de tudo isso? Claro, sob o seu olhar.

O tripé, que associava Cristo a Oxalá em 2017, foi censurado e não passou no desfile da Mangueira no Sábado das Campeãs

E é aí que dói em muitos que, em vez de professarem a fé, espalham o preconceito. O Cristo de Leandro é negro, une-se aos pobres e harmoniza-se com eles através das festas do samba e do carnaval. Como ele diz na entrevista, não é o Jesus cheio de ouro; é o Jesus descalço, pé-de-barro. Enfim, é à imagem e semelhança de quem mora no morro. Para estes, machuca ver o negro, pobre e favelado alçado à condição de protagonista e Cristo retratado fora dos padrões estéticos difundidos pela arte europeia ao longo desses dois milênios. E o contra-ataque, por isso, se torna duro, inconsequente, como um discurso digno dos, como diz o samba-enredo, “profetas da intolerância”. É o preconceito, cuspido e escarrado, manifestado à sua máxima potência.

Mas a resposta de Leandro Vieira deixa o recado: quando o povo abraça a proposta, não há conservadorismo que impeça o seu sucesso. Um sucesso que só evidencia a importância do carnaval como instrumento de difusão de uma mensagem que representa bem a consciência do povo. Ou seja, um instrumento de política. Sim, de política. Como diz o próprio carnavalesco na entrevista, fazemos política até quando escolhemos a roupa que vamos vestir. E fazer política no carnaval é fazer a festa ir além dos dias de folia, e torná-la um instrumento para rediscutir tabus e elevar o nível das consciências.

A festa mangueirense após o título conquistado em 2019, o segundo de Leandro Vieira pela escola

Eu sei, é duro para a “tradicional família brasileira” reconhecer o desfile das escolas de samba como a maior manifestação cultural e artística do Brasil. Não é de hoje que a estratégia da negação (e da desmoralização) é usada com o objetivo de tornar o carnaval carioca como um elemento menor no contexto geral do país. Leandro também comenta sobre isso na entrevista.

Por isso, é fundamental termos na trincheira — não falo só do carnaval, mas das artes em geral — um rapaz ainda tão jovem na idade, mas ao mesmo tempo tão consciente da necessidade de fazer chegar à nossa gente um real sentimento de brasilidade, disposto a assumir a ponta de lança dessa luta árdua e ao mesmo tempo gloriosa. Fernando Pamplona avalizaria com louvor.