as feras fazem cinquenta anos


Por Fred Soares (@fredaosoares)

Fui alertado que neste 21 de junho se completou 49 anos da maior vitória que uma seleção jamais conquistou em uma Copa do Mundo. O tri mundial obtido no México em 1970, por uma equipe formada por gênios do quilate de Pelé, Tostão, Gerson, Jairzinho, Rivelino & Cia.. Mas façamos justiça. Se essa história virou um capítulo de ouro do futebol brasileiro, é porque começou a ser escrita um ano antes, portanto há 50 anos, por um sujeito cujo amor pelo futebol só se comparava à coragem: João Saldanha, gaúcho de alegrete, advogado, jornalista e militante comunista.

E vejam só como é o destino. Meio século depois, o país vive situação similar. Similar, repito, porque, se em 1969 o Brasil sofria sob a tutela de uma ditadura escancarada, agora vive um simulacro de democracia.


Naquele ano, a fina flor da repressão teve de aceitar goela abaixo um homem que não se submetia nem ao regime nem às diretrizes da entidade futebolística do país já então de calças arriadas para os donos do poder central. Saldanha, membro atuante do PCB, era o único capaz de devolver a autoestima a um time cujo psicológico estava corroído desde a derrota na Inglaterra em 1966. Pôs ordem na casa, instruiu suas feras a jogarem de acordo com a vocação da escola brasileira. Devolveu a autoestima. Porém, como era de se esperar, foi descartado (ou dissolvido, como disseram) a tempo de evitar que um opositor daquele status quo pudesse ocupar as manchetes de jornais como campeão do mundo.

Agora, com o país novamente sob o comando de um militar (ou ex-militar) que não se furta de tecer loas a torturadores que davam suporte à ditadura de outrora, eis aí a mesma entidade, com nome diferente, mas novamente submetida. Diferente daquela época, porém, o treinador. Ele até chegou dando a impressão de que, como Saldanha, subverteria aquela ordem e devolveria o gás a um plantel que merecia novas ideias e conceitos. Mas, três anos depois de ter assumido o comando do barco, sentimos o amargo gosto de perceber que Saldanhas não surgem assim, de 50 em 50 anos. O técnico de hoje, que tinha estofo para encarar os dirigentes, cedeu. Não só a eles. Mas também à prima donna da companhia. Tite também é gaúcho, mas não é João Saldanha.

A ele, João, a quem tive a imensa honra de conhecer já no finzinho da sua vida, em 1990, em Copacabana, a minha homenagem nestes 50 anos daquele momento em que História e futebol se misturaram mais uma vez para produzir uma das páginas mais relevantes dos últimos tempos.

Abaixo, um programa veiculado à época do centenário de João Saldanha, em 2017.